Por Ed Rene Kivitz
Contam que C.S. Lewis chegou ao auditório de um congresso religioso e observou acalorado
debate. Perguntou ao sujeito ao lado qual a razão de tanta discussão. Estão discutindo qual é a
distinção do Cristianismo em relação às outras religiões, esclareceu o homem. Simples, comentou Lewis, sem hesitar, a graça de Deus.
De fato, todas as religiões estão baseadas no esforço pessoal e no princípio da justiça retributiva. Somente o Cristianismo apresenta a possibilidade de um relacionamento entre Deus e os homens além das fronteiras do mérito e demérito. Infelizmente as palavras de Lewis, dos pais do protestantismo, e, pior, uma das afirmações mais categóricas e fundamentais do Novo Testamento se perderam na poeira do fenômeno religião de consumo, onde os deuses disputam melhores lugares nas prateleiras do mercado religioso. Poucos cristãos, ou que se dizem cristãos, compreendem o que seja a graça de Deus. Arrisco, portanto, algumas sugestões.
A graça de Deus é o favor imerecido de Deus para com a humanidade. [Mateus 5.45; Efésios 2.8-10; Tiago 1.17,18; 2Pedro 1.3]
A graça de Deus é a disposição de Deus em tratar bem aqueles que o rejeitam e dar coisas boas a quem não lhe quer bem ou mesmo sequer reconhece sua existência. [Mateus 5.41-48]
A graça de Deus é a boa vontade de Deus, a pré-disposição positiva de Deus, o desejo de abençoar, a intenção constante de fazer o bem e agir com bondade em relação ao universo criado e toda a humanidade. [Êxodo 33.19; Salmo 100.5; 2Crônicas 16.9; Jeremias 29:11; 33:3; Hebreus 4:16]
A graça de Deus é a interpelação, o apelo, o chamamento, o convite, a insistente convocação de Deus para que a humanidade se renda à sua bondade. [Hebreus 1.1,2; 3.7; 3.15; 4.7; Atos 14.16,17; 26.14]
A graça de Deus é o fluxo constante de amor e vida divinos que sustentam o universo e toda a humanidade. [Isaías 18.4; Atos 17.28; Romanos 11.33-36; Hebreus 1.3]
A graça de Deus é a energia ativa, o poder abençoador, a força, o empurrão que Deus imprime no universo e na humanidade para que o bem e o bom possam existir. [1Coríntios 15.10; Filipenses 2.13,14; Colossenses 1.29]
A graça de Deus é a ação e o trabalho de Deus em favor do universo e de toda a humanidade. [Salmo 37.5; Isaías 64.4; Mateus 6.25-34; Filipenses 4.19; 1Pedro 5.7]
A graça de Deus é a oportunidade, chance, concessão, permissão, autorização que Deus concede à humanidade para que experimente sua bondade e participe de seus atos bondosos. [Isaías 55.6; 2Coríntios 8.1]
A vida não se explica sem a graça de Deus: Deus tudo criou, tudo sustenta e a todos concede vida e fôlego para que existam, inclusive em rebeldia e de maneira contrária ao seu caráter três vezes Santo. O Deus cristão é o Deus de toda a graça [Isaías 6.1-5; Atos 17.24,25; 1Pedro 5.10], e o seu evangelho não é outro senão o evangelho da graça de Deus [Atos 20.24].
A graça de Deus está presente inclusive onde a igreja ainda não está e aonde o evangelho ainda não chegou. [Atos 10.31; 14.16,17]
O mundo, a humanidade e o futuro são viáveis pelo fato de estarem sob a graça de Deus. Vale a pena fazer o bem, vale a pena semear para a justiça e a paz, pois a mão de Deus está promovendo e agindo em cooperação para trazer à existência o que é bom. [Romanos 8.28-30]
Toda e qualquer experiência humana do amor; todos os atos de justiça, compaixão, e solidariedade; todas as expressões da ética e da estética; a arte e a cultura; a ciência, a tecnologia e o trabalho; as filosofias e sabedorias; a ordem, a estrutura inteligente e a coerência lógica da realidade física, orgânica e social; o prazer, a alegria e o contentamento; a superação, a possibilidade de começar de novo, e a inovação; a rebeldia contra a morte e tudo quanto a promove, sustenta ou representa; as possibilidades utópicas em relação ao futuro; a fé, a esperança e a paz, se explicam pela graça de Deus.
A expressão máxima da graça de Deus é a presença de Jesus Cristo no mundo, e tudo quanto, como fruto de sua vida, morte e ressurreição, irrompe como possibilidade para a natureza criada e toda a humanidade. Como bem disse o apóstolo João [1.14], Jesus é a verdade cheia de graça.